O "irmão branco" recorda vida do "irmão de todas as cores"
"Tu és o nosso rei. Eusébio, descansa eternamente." Cantam os rapazes em frente à Assembleia da República à passagem dos restos mortais do jogador, ao fim da tarde de ontem. Benfiquistas, basta ver as camisolas, prometem acompanhar o cortejo até ao Panteão Nacional. Mas, mesmo sendo a charrete puxada por cavalos, desistem da ideia com medo de que o cansaço os faça ficar a meio. O rei, como gritam à passagem do cortejo, é a última figura pública e o primeiro desportista a ter tais honras.
Já no Panteão, o amigo e colega António Simões, a quem Eusébio chamava o "irmão branco", explica por que lhe chamam "rei". O extremo-esquerdo faz o elogio fúnebre do seu "irmão de todas as cores" e exemplifica porque é que "Eusébio foi tudo". E também a sua importância na divulgação de Portugal, "à data marginalizado a nível internacional, por teimosia política", e que passou a ganhar "aficionados em todo o planeta". Conclui: "Continuo a sentir Eusébio comigo. Ele não morreu, só se afastou. Com o seu afastamento, nós é que morremos em parte, eu uma boa parte. Falta-nos aquele sorriso bonito, aqueles conselhos sapientes, aquela alegria contagiante. Sem ele... até a bola chora."
A urna com os restos mortais é acompanhada desde o Cemitério do Lumiar pelas forças da PSP e da GNR, inicialmente pelo armão militar motorizado que no Parque Eduardo VII, junto à Bandeira Nacional gigante, é substituído pela cavalaria, 54 cavalos e 22 motos.
Palmas e saudações ao longo do percurso, sobretudo de benfiquistas, mas também de simpatizantes de outros clubes. Não se juntam muitas pessoas, mas há sempre aplausos, aqui e ali figuras públicas, sobretudo do desporto e política. O cortejo tem passagens simbólicas nomeadamente o Estádio da Luz, a Federação Portuguesa de Futebol e a Assembleia da República.
Francisco Pereira, Yuri Correia e Sandro Anjos, de 14 anos, e Ludgero Santos, de 13, esperam nas escadarias em frente ao Parlamento. Nunca viram Eusébio jogar. "Mas vimos os vídeos, as fintas, os remates e os golos. É o nosso rei português", afirmam. E até conseguiram trazer o Mário Daniel, 11 anos, o vizinho portista, que concede: "Era um grande jogador."
Um "grande jogador" que nasceu em Lourenço Marques, Moçambique, e que veio para Portugal aos 18 anos. Diz-se que vinha para o Sporting, mas a realidade é que vestiu a camisola do Benfica. A mesma de Manuel Elias, 81 anos, como simpatizante, desde que chegou a Lisboa e "até morrer".
Manuel orgulha-se do benfiquismo dos dois filhos e dos seis netos e muitas foram as vezes que viu o Pantera Negra jogar no Estádio da Luz. Mas faz questão de lhe prestar a homenagem com a Bandeira Nacional. "Não trouxe a bandeira do Benfica porque o Eusébio é uma causa nacional. No momento em que ele deixa o Cemitério do Lumiar e passa para o Panteão deixa de ser só um benfiquista." Ao lado, a vizinha, Regina Pinheiro, 79 anos, subscreve. "A minha casa também é toda benfiquista. O meu neto foi sócio até aos 26 anos e não foi mais porque não lhe podia pagar as quotas, mas o Eusébio é de todos os portugueses. Era muito bom jogador e boa pessoa", diz. Moram em São Bento e trabalharam na função pública.
"Foi um bom jogador da seleção, representou muito bem Portugal, agora, como jogador do Benfica não valia nada. O maior jogador era o Cubillas", diz Mário Carvalho, 51 anos, comerciante, adepto do FC Porto. Razão pela qual a escolha do "melhor do mundo" seja para o peruano que representou o FC Porto entre 1974 e 1976. Já o sportinguista Artur Mota, 57 anos, fadista e homem dos sete ofícios, agora desempregado, elege Eusébio, simpatias clubísticas à parte. "Além de ser do Sporting, sou humano, sou português. Eusébio deu muito a esta nação e ao povo português."
A admiração "pelo jogador e pelo homem" fez que conseguisse ser-lhe apresentado e cruzou-se com ele algumas vezes. "Um dia estava ele estava na Tia Matilde [restaurante] com o Zé Augusto e o Simões, quando dois miúdos lhe pedem dinheiro. Perguntou-lhes se tinham fome e disse-lhes para comerem o que quisessem. No final, deu uma nota de 20 escudos a cada um."
Dulce Pontes cantou o Hino Nacional já a urna estava depositada na entrada do Panteão Nacional. Dos lados, uma foto gigante do homem enquanto jogador da seleção, fotografias que deram lugar a um vídeo sobre a sua vida. Para a família, os amigos e dirigentes nacionais assistirem, entre os quais o Presidente da República, a presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o presidente do Benfica.
Rui Veloso cantou Não Me Esqueço de Ti e Irmã, África. Falaram depois Assunção Esteves e Cavaco Silva, antes do fim das cerimónias, cinco horas depois de a urna sair do cemitério, às 15.15. Um dia emotivo para António Ribeiro, de Santa Iria de Azoia, 54 anos, guarda prisional, que aproveitou as férias para prestar homenagem ao jogador. Marcou presença no Estádio da Luz e no Panteão Nacional. Aqui já trazia o chapéu vermelho que comprou junto à "catedral do Benfica " por dois euros. E que diz: "Eusébio Sempre".